Um ano de coleta diária de dados da COVID-19: Um balanço sobre o projeto e sua importância


20 de março de 2020 foi o início de um projeto marcante aqui no Brasil.IO: a coleta de dados diários a nível municipal sobre a COVID-19, doença que havia acabado de ser declarada como Pandemia pela Organização Mundial da Saúde.

Naquele momento, como o governo já dava sinais de que os dados da pandemia poderiam não ser disponibilizados de forma estruturada e acessível, o que, inclusive, se comprovou mais tarde, a ideia era tentar ajudar a comunidade a tomar decisões certeiras no combate à pandemia. A partir de uma primeira análise das diversas formas e meios pelos quais as informações estavam sendo fornecidas pelas autoridades locais, foram convocados voluntários a ajudar no projeto.

Desde então, pessoas de diversos lugares do mundo (tem brasileiro até da Inglaterra coletando dados) dispõem de alguns minutos do seu dia para traduzir um monte de dados esparsos em informação limpa, organizada e estruturada. Algumas precisaram sair da equipe por questões pessoais, outras entraram depois, mas sem elas não seria possível publicarmos atualizações diárias. Definimos uma metodologia para a coleta e checagem, automatizamos diversos processos e finalmente passamos a ter dados confiáveis sobre a pandemia no Brasil (houve dias em que até os dados oficiais do Governo Federal foram publicados com erros, mas os nossos estavam corretos). Com a disponibilização dessa informação, jornais (nacionais e internacionais, pequenos e grandes, na Web e em manchetes no impresso) e órgãos como a FioCruz e o IBGE começaram a utilizá-la. Mais info no clipping.

Em junho do ano passado, devido ao apagão proposital de dados do Ministério da Saúde, reunimos mais uma força-tarefa para criar um boletim diário com os totais informados pelos estados em seus boletins. Enquanto os voluntários de cada Estado coletavam a base completa com os dados dos Municípios, essa outra equipe começou a coletar o total de casos confirmados/óbitos por Estado. Desde então, todos os dias, sem exceção, divulgamos nosso boletim.

Boletim Brasil.IO COVID-19 de 7 de abril de 2021

Com os meses se passando, outros dados relevantes foram incorporados, como os óbitos registrados em cartórios, beneficiários do auxílio emergencial e os microdados de vacinação. Também criamos nosso próprio painel, no qual é possível ver mapas e gráficos.

Não podemos deixar de ressaltar como essa iniciativa de coleta de dados diária demonstra sua importância todos os dias. Um exemplo disso foi quando o Governo Federal alterou os parâmetros para inserção de dados no Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância da Gripe), cujo preenchimento é obrigatório desde 2009 para casos gripais e também está sendo utilizado para monitorar a COVID-19. Dentre as alterações, que não foram combinadas com estados e municípios, passou-se a ser obrigatória a informação de pelo menos um de dois números: o CPF e, na ausência deste, o do cartão SUS. Isso ocasionou diversos problemas, que impactaram a notificação de óbitos pela doença, levando a uma diminuição irreal nesses números enquanto a mudança ficou vigente.

Apesar do Ministério da Saúde ter voltado atrás na alteração da ferramenta, isso é bem mais grave do que parece. Há estados em que os números são preenchidos diretamente no Sivep, enquanto outros possuem seus próprios registros e, com isso, o atraso de preenchimento do Sivep resultaria em dados completamente diferentes sendo divulgados por órgãos oficiais (estados e Governo Federal), o que poderia dificultar ainda mais o acesso à informação de qualidade, resultando em mais desinformação.

A falta de dados atuais, confiáveis e padronizados, como seria esperado que o Ministério da Saúde fizesse, dificultam o controle da pandemia, causando mortes que poderiam ser evitadas. Na história do Brasil infelizmente temos um outro exemplo disso: durante a ditadura militar, na década de 70, o país sofreu uma epidemia de meningite e, naquela época, os profissionais de saúde e comunicação foram proibidos de se manifestar sobre o que estava acontecendo, conduta que gerou prejuízos irreparáveis, já que nem os médicos tinham informações sobre qual doença estava atingindo gravemente tantas pessoas.

Apesar de saber que essa crise poderia ser muito pior caso não houvesse iniciativas como esta, nós, colaboradores do projeto, nunca esquecemos que cada número preenchido na planilha significa uma cadeira vazia na mesa das famílias durante as refeições. E como a gente gostaria de não ter que contabilizar isso! Esperamos que a velocidade com que esses números vêm aumentando seja freada em breve, mas, até que a maioria da população seja vacinada e essa fase dolorosa não passe, conte com nosso trabalho para acompanhar os dados sobre a pandemia e, se você puder e quiser, colabore com nosso projeto divulgando-o, programando ou mesmo doando para nossa campanha de financiamento coletivo.

Autores

Bruna Menani Lima
Advogada em transição de carreira para a área de Ciência de Dados. Apaixonada por dados, organização, lógica e resolver quebra-cabeças.
Álvaro Justen
Álvaro Justen é programador, professor e empreendedor. Ativista de software livre e de dados abertos, desenvolve e gerencia projetos de captura e análise de dados (principalmente públicos), majoritariamente com Python; adora compartilhar conhecimento e colabora com a comunidade de jornalismo de dados brasileira; é fundador do portal de dados abertos acessíveis Brasil.IO e quando não está programando ou dando aulas, viaja, prova e torra cafés especiais.